Diversidade Sexual: quem és tu?
Afinal o que ou quem é a Diversidade Sexual?
A Diversidade Sexual é um campo teórico? Ou é um campo político?
Ou é uma articulação de ambos? É uma área do conhecimento? Uma forma de
ativismo político? Uma categoria de análise histórica das relações sociais de
poder? Ou a Diversidade Sexual é ou pode ser tudo isso e mais um pouco
misturado? Há uma definição? Alguém já definiu?
Afinal construímos/lutamos/articulamo-nos de, sobre, para ou pela
Diversidade Sexual?
Muitas são as questões, poucas (ainda) são as respostas.
Para algumas pessoas pode
ser um conceito da pós-modernidade de desconstrução de sujeitos, discursos e
identidades a cerca da sexualidade. Ou até mesmo para outros/as um movimento em
defesa dos direitos de homossexuais – englobando gays e lésbicas -, bissexuais
ou em defesa de heterossexuais constrangidos/as a sê-los num padrão de
sexualidade hegemônico e nos ensinado como obrigatório ou compulsório.
Se, de
fato, é possível afirmar que no Brasil a diversidade sexual existe enquanto um
campo, seja de saberes ou de experiências, ela convoca para si um conjunto de
categorias e dimensões da vida social como sexualidade, gênero, raça, classe e
outras? É possível compreender a diversidade sexual como um campo
teórico-político? É possível visualizar teoria? É possível vislumbrar prática e
organização política e social concreta a partir dela?
Temos
os nossos entendimentos e experiências com a Diversidade Sexual e estamos longe
de buscar neste momento concluir as reflexões sobre o que é ou quem é (ou o que
ou quem pode ser) a Diversidade Sexual do ponto de vista do que eu acredito
sobre ela. Até porque, se ela realmente existe enquanto um campo
teórico-político e se o esforço de marcá-la na história desta maneira está em
curso, nós esperamos que esse texto provoque a expressão de novas formas de ver
e interpretar esse debate no lugar de encerrá-lo ou fechá-lo.
Desejamos, enquanto militantes e ativistas políticos, assim como estudantes e
pesquisadores/as, que outras/os com mais instrumentos e bagagens
epistemológicas, teóricas ou até mesmo históricas do que nós, retomassem também
estas discussões no campo da academia e/ou do ativismo, pois podem, sem dúvidas,
colaborar com um conjunto de lutas, pesquisas e organizações em defesa da livre
orientação sexual e identidade de gênero.
Sentidos e entendimentos possíveis dados ao termo Diversidade Sexual se
formaram de maneiras diferentes ao longo da história para um conjunto diverso
de pessoas, de organizações políticas e de perspectivas teóricas e ideológicas.
Porém, antes de chegar nos anos 2000,
quando esse termo aparece de maneira mais visibilizada nas articulações/ações e
nos debates do em torno do movimento estudantil universitário, percebemos
alguns elementos que dão base a essas movimentações, em sua maioria inspirados
nas lutas pela livre orientação sexual e identidade de gênero.
Sabemos que estas lutas (do que hoje
chamamos Movimento LGBT) sempre se apresentaram de variadas formas, servindo ou
estando filiadas a diversas escolas teóricas e políticas, desde seu surgimento
de maneira mais organizada no Brasil no final dos anos 70 e ao longo de toda a
nossa história.
O movimento de luta pela livre
orientação sexual e identidade de gênero, por si, nunca teve uma forma fechada,
fixa, inacabada em sua trajetória histórica. Sempre foi uma movimentação
diversa, plural e, em muitos momentos, conflituosa nessa definição de sua
natureza identitária, política ou ideológica.
Desde o grupo SOMOS, que é muito bem
etnografado pelo antropólogo Edward MacRae, há uma diferença histórica, por
exemplo, em compreender como são construídas as, chamadas por ele, identidades
homossexuais.
Isso porque não houve e não há
consenso (e, pelas diferenças em ver e projetar o mundo, não necessariamente
haverá) sobre a natureza da homossexualidade, nem em como se organiza a luta
pelo direito a suas vivências, experimentações, afirmações e organizações
políticas.
Mas não é isto somente que queremos
pontuar. Queremos ressaltar que quando só se é dada uma opção de interpretar as
sexualidades (ou as homossexualidades) e sua natureza, fatalmente omite-se
outras formas possíveis e igualmente "racionais" de compreendê-las,
vivê-las e inclusive organizá-las politicamente.
É neste contexto e para este serviço -
de possibilitar um ambiente plural, diverso e permeável ao debate - que, em
nossa leitura, a Diversidade Sexual constitui-se como um fértil campo e termo
de reflexão e articulação das sexualidades e da luta pela livre orientação
sexual e identidade de gênero.
Compreendemos que enquanto termo, a
Diversidade Sexual está para além de uma ligação naturalizada em boa parte das
organizações do movimento LGBT na afirmação da identitária sexual (L-G-B-T-T).
Entendemos que ao optar por afirmar uma identidade marcada pelas práticas
sexuais diversas, alguns setores do movimento LGBT secundarizam,
necessariamente, a afirmação política, histórica, cultural, consciente ou não,
em relação as possíveis sexualidades. Diversidade Sexual é um termo que não diz
respeito, obrigatoriamente, a uma identidade, mas pode tomar o sentido de uma
pluralidade, de uma valorização das diferenças em relação às sexualidades.
Por
mais difícil que seja ainda assimilar tal problemática, por falta inclusive de
estudos mais focados e detalhados desse processo histórico, particularmente
entendemos que a Diversidade Sexual e os debates em torno das múltiplas
sexualidades abriram mais portas e aglutinaram mais pessoas do que fecharam
e/ou isolaram os movimentos LGBT.
Fazemos também este
contraponto pois é importante superar a ideia de que a Diversidade Sexual se
afirma para desconstruir ou descontinuar a luta do movimento LGBT. Esta
leitura, na nossa opinião, é insuficiente para interpretar as experiências
históricas e as contribuições concretas que partiram desta, de suas reflexões e
organização, para diversos espaços, instituições e reflexões da vida social em
relação às sexualidades.
Sendo assim, a Diversidade Sexual não
surgiu para acabar com o movimento LGBT, assim como o Feminismo não acabou com
a luta, a organização e os movimentos de Mulheres (enquanto movimento
organizado em torno de identidades afirmativas e políticas), ou a luta pela
Igualdade Racial não acabou com os movimentos de Negras e Negros.
Não temos dúvidas de que as opiniões
acerca dos rumos, pautas e formas de organização dessa movimentação ainda são
embrionárias e estão sendo construídas a partir de um conjunto de processos
históricos, quase sempre contraditórios, conflituosos e diversos.
Não
existe hoje uma institucionalização formal da Diversidade Sexual enquanto
organização política, nem conhecemos formulações teóricas que a encarem
enquanto um campo teórico e de estudos.
Embora
não exista uma entidade nacional, já se tem registro e notícias de fóruns que
se reúnem em torno desse termo e de toda a diversidade de perspectivas
políticas e ideológicas. Um exemplo de um Fórum é o Encontro Nacional
Universitário sobre Diversidade Sexual (ENUDS) que já chega a sua décima
primeira edição em 2013.
Tais
iniciativas se comprometem a pensar a sociedade como um todo e pensam a
orientação sexual e identidade de gênero nela como uma determinante também da
organização de nossas vidas.
Das
organizações mais históricas e recentes do movimento LGBT brasileiro, não vemos
ainda nenhuma que tenha se disposto a levantar e articular este termo como
parte de suas lutas - como vemos organizações de mulheres que articulam e
disputam o Feminismo, por exemplo.
Particularmente, enquanto ativistas e
por isso enquanto parte desse processo, temos posições, que, seguindo o início
e o conjunto de reflexões desse texto não estão em processo final ainda. Não
temos a intenção de apresentar nossos pensamentos como marcos fixos,
definitivos e inabaláveis, mas sim configurá-los como um convite para
(re)pensarmos e quem sabe construirmos uma nova forma de conceber a Diversidade
Sexual e seus possíveis desdobramentos e contribuições.
Pensamos
que para o próximo período é necessário despir a timidez e assumirmos de vez
que nos organizamos pela Diversidade Sexual, bem como que ela se constitui
enquanto um campo político e teórico que foca, estuda, articula, organiza e
luta pela livre orientação sexual e identidade de gênero, pela Cidadania LGBT,
preocupando-se também com os projetos que estes setores da sociedade têm
para influenciar na transformação dela como um todo.
É preciso reorganizar uma
movimentação, que volte a ser capaz de formular as bases de superação do modelo
de sociedade heteronormativa, capitalista e opressora que temos. Da mesma forma
como é preciso surgir um novo campo, que seja convidativo a nossa rearticulação
com a sociedade e com as pessoas com as quais lidamos, seu conjunto de
necessidades, de marcadores identitários e perspectivas políticas e
ideológicas.
Assim como na história vimos
feministas formarem uma aliança em torno das suas pautas e seus discursos – sem
necessariamente derrotar ou apagar a diversidade de opiniões existentes dentro
desse campo chamado feminismo – é necessário inaugurarmos uma nova movimentação
política pela livre orientação sexual e identidade de gênero, que dialogue com
setores do ativismo político e da academia, de maneira menos bélica,
autodestrutiva e mais propositiva.
Essa movimentação é o que pode
garantir não só assimilações da parte do ativismo, mas da própria academia, que
precisa também compreender o seu papel para além da reflexão isolada nesse
conjunto de transformações e superações que todas necessitamos contribuir e
operar coletivamente. Se conhecimento é poder, estar nos espaços de
formulação e reflexão de conhecimento é ocupar também espaços de poder.
Para que uma nova síntese e um novo
consenso ético-político acerca da organização das que lutam pela diversidade
sexual possa ser combinada, será necessária muita paciência histórica, muita
formulação, muitas provocações e o conflito saudável de idéias, que sem se
fechar tragam possibilidades produtivas e impulsionadoras de uma nova
conjuntura, uma maior e mais ampla movimentação e uma nova correlação de forças
capaz de transformar os nossos desejos e sonhos em realidade concreta.
À Diversidade Sexual e ao debate!
Até a vitória!
Texto coletivamente
elaborado por:
Rebeca
Benevides,estudante de História (UFBA), ativista do Kiu! – Coletivo
Universitário pela Diversidade Sexual e membro da Coordenação Nacional-BA do
Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual (ENUDS).
Ricardo
Santana, professor de História da rede pública estadual da Bahia, mestre em
História (UEFS), fundador e ativista do Kiu! – Coletivo Universitário pela
Diversidade Sexual.
Taisa
Ferreira, pedagoga (UEFS), especialista em metodologia do ensino superior
(FAMETTIG),especialista em gênero e sexualidade (CLAM-UERJ), mestranda em
Educação (UEFS) e ativista do Kiu! – Coletivo Universitário pela Diversidade
Sexual.
Vinícius
Alves, estudante de Gênero e Diversidade (UFBA), ativista do Kiu! – Coletivo
Universitário pela Diversidade Sexual e Secretário de Relações com os
Movimentos Sociais da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuai (ABGLT).